Durante a semana da celebração do Dia Internacional das Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e Mulheres da Diáspora, (25 de julho) nós tivemos uma conversa inspiradora com Alinta Sara, uma educadora de língua francesa e história da arte, vinda da Ilha da Reunião, que mora em Londres. Alinta é co-fundadora da Bokantaj, uma plataforma artística com a meta do intercâmbio entre culturas, com uma visão “sul-sul”. Ela também é a coordenadora de pesquisa e educação no “Our Journey, our story” (Nossa Jornada, nossa história), um projeto da Sickle Cell Society, trabalhando na história da Anemia Falciforme no Reino Unido.

por Juliana da Penha/tradução Isadora Bueno Bastos

Como estamos celebrando as mulheres Afro-Latinas e Afro-Caribenhas, conte-nos sobre suas raízes Afro-Caribenhas.

Alinta: Eu venho da Ilha da Reunião; meu pai é da Guinea Conakry e minha mãe da Martinica. Quando eu tinha cinco anos de idade, eu me mudei para a Martinica e fui criada lá. Quando eu tinha dezoito anos, eu me mudei para a França, onde fiquei até 2004 e estudei História da Arte. Mais tarde, eu me mudei para a Inglaterra, para Londres, onde eu vivo agora, e fiz um Mestrado em Estudos Africanos.   

Como você aprendeu a falar Português e se envolveu com a cultura Afro-Brasileira?

Alinta: Minha tese de Mestrado é sobre o legado da Arquitetura Afro-Brasileira na África, sobre os “retornados”, os escravos africanos que deixaram o Brasil, voltaram para a África e lá se estabeleceram. Eu sempre me interessei pela cultura Afro-Brasileira e Afro-Cubana. Eu estudei Yoruba e escrevi um texto sobre a cultura Yoruba em Cuba. Eu aprendi danças Afro-Brasileiras. Eu guardei dinheiro e viajei para o Brasil em 2017 por quase três meses, pro Rio de Janeiro e para a Bahia. Quando eu estava lá, eu comecei a procurar emprego, eu queria ficar! (risos).

Você e Aminat Lawal são co-fundadoras da Bokantaj. Você poderia explicar qual a motivação para fundar essa organização e falar das atividades e eventos que vocês produzem?

Alinta: Nossa ideia é mostrar a conexão entre diferentes culturas através da arte e da educação. Nós organizamos eventos, workshops, exibições e colaborações. Normalmente, as pessoas não sabem dos links entre africanos e as Américas. Por exemplo, há muitas influências da língua Yoruba nas Américas. Nós queremos falar sobre as diferentes formas de ver essas conexões. Outro exemplo, em Martinica, nós escutamos música do Haiti desde criança, e nós conhecemos pintores do Haiti, então eu  quero mostrar esses links. Nós organizamos um eventoa sobre a cultura do Haiti, apresentando outras representações do Haiti com arte e filmes. Nós também queremos mostrar diferentes ramos do Caribe Francês, a diversidade destas regiões e os limites coloniais da língua presente na Europa.  Ano passado nós organizamos uma exibição sobre a arte e literatura da Martinica com artistas do país. Então, na Bokantaj, nós mostramos essas conexões. A próxima exibição que estamos planejando vai ser sobre Guadalupe.

Normalmente, as pessoas não sabem dos links entre africanos e americanos.

Você mencionou a importância de uma conexão “sul-sul”, criar e manter os links entre a África e as Américas.

Alinta: Sim, porque nós temos uma história partilhada. No Brasil, existem muitos aspectos culturais que nós também temos no Caribe, como a música. Nós temos culturas diferentes, mas temos muitas conexões. Nós não falamos da influência dos americanos na África. Precisamos ver além da Europa e dos EUA. Nós precisamos de uma visão sul-sul. Na Europa, eles têm esse sentimento de ser europeu; eles partilham e reconhecem suas origens compartilhadas, vindas dos gregos e romanos. Na América Latina e no Caribe, nós não temos esse sentimento universal, mas temos muitas coisas em comum, como a nossa história.

Precisamos ver além da Europa e dos EUA. Nós precisamos de uma visão sul-sul.

Pela sua experiência como uma profissional da arte, você pode me dizer como é ser uma mulher afro-caribenha no mundo da arte na Inglaterra?

Alinta: Eu quero me tornar curadora, mas arte é um mundo complicado. Todo mundo está focado no racismo nos Estados Unidos porque é mais evidente; entretanto, apesar do Reino Unido parecer mais aberto, as coisas aqui são problemáticas, racismo e preconceito são velados. Você vê no acesso a cargos mais altos. Quantas pessoas negras você vê em cargos de direção/gerência nos projetos artísticos ou organizações no Reino Unido? Você não vê. No Reino Unido o racismo é velado.

Quantas pessoas negras você vê em cargos de direção/gerência nos projetos artísticos ou organizações no Reino Unido? Você não vê. No Reino Unido o racismo é velado.

Porque é importante celebrar o Dia Internacional das Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e Mulheres da Diáspora?

Alinta:  Eu acho que é essencial porque nós precisamos mostrar a presença negra na América do Sul. A visão geral é de que nas Américas todo mundo é misturado, mas isso não é real. É um dia para celebrar e falar sobre mulheres negras da América Latina e do Caribe porque elas são invisíveis. No Caribe é diferente porque a maioria das pessoas são negras. 

Muitas vezes, pessoas do Haiti são rejeitadas na cultura caribenha, porque eles são mais escuros, e nós temos muitas discussões sobre “colorismo”.  A questão do colorismo está presente lá porque quanto mais clara a cor da sua pele, mais rico e parte da elite você é. Por exemplo, quando minha mãe se casou com o meu pai, as pessoas perguntaram a ela: “Por que você se casou com um homem escuro?” Outra situação que aborda essa questão aconteceu quando eu estava no Brasil, com uma amiga brasileira que tem a pele escura, e alguém disse: “Eu não achei que você fosse do Brasil, achei que fosse do Haiti.”

Quando nós falamos sobre racismo, escravidão, o foco está nos Estados Unidos. Parece que nunca ocorreu na América Latina ou no Caribe. O Dia Internacional das Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e Mulheres da Diáspora é um dia importante. É um dia para lembrar dessas mulheres, para que elas sejam menos invisíveis.  

O Dia Internacional das Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e Mulheres da Diáspora é um dia importante. É um dia para lembrar dessas mulheres, para que elas sejam menos invisíveis.

https://www.sicklecellsociety.org/

bokantaj.org

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