A representação das Latinas na mídia

Temos o prazer de publicar a nossa primeira colaboração. Isadora Bueno Bastos apresentou este texto no evento “Taster Talks” da Universidade de Glasgow TEDx em novembro de 2019 e novamente para o evento “UoG TEDx Launch Party” em fevereiro de 2020.

por Isadora Bueno

Eu sou Isadora e sou brasileira, o que significa que sou Latina.

Então, o que é uma Latina? No dicionário Merriam-Webster, Latina é uma mulher ou uma menina de origem latino-americana. Segundo dados do Banco Mundial coletados em 2018, o número de mulheres na América Latina e no Caribe era de 325, 640, 285. Isso é restrito à América do Sul e às ilhas do Caribe, mas muitos outros países têm mulheres que se identificam como Latinas, como a Espanha e o México. E, se as considerássemos, esse número aumentaria drasticamente.

Quando eu digo Latina, é possível que muitos de vocês visualizem alguém como Gloria da Família Moderna. Então vamos falar sobre as representações das Latinas, porque existem claramente muitas! Temos grandes figuras como Jennifer Lopez, Salma Hayek, Sofia Vergara e Penélope Cruz. Estas mulheres são profissionais e empresárias de diferentes origens, mas parecem ter o mesmo papel em diferentes filmes e espetáculos. Elas são hipersexualizadas, vestem roupas extravagantes e sexy, têm sotaques pesados e/ou falam o espanhol do nada, são barulhentas e exageradas.

Pegue como exemplo Sofia Vergara na Família Moderna, uma jovem mãe e dona de casa, casada com um marido muito mais velho, barulhenta, excessivamente preocupada, muitas vezes gritando em espanhol e usando roupas que chamam a atenção para o seu tipo de corpo. Existem Latinas como ela? Provavelmente, sim. Eu só quero ser representada assim? Não.

Há também filmes onde estas atrizes desempenham um papel mais passivo em relação aos homens que amam/que as amam, como Spanglish (2004) e Maid in Manhattan (2002), onde também estão numa posição inferior aos homens por quem se apaixonam e provam ter algum tipo de “tempero latino” e agora a Latina não é apenas uma cara bonita, mas também têm valores (o que vem sempre como uma surpresa). Como é que este tipo de representação nos afeta fora da tela?

Sou nascida e criada Latina, mas aos dezesseis anos mudei-me para o Canadá e tive a oportunidade de viver lá durante cerca de dois anos, aos dezenove mudei-me para a Alemanha e lá fiquei também durante cerca de dois anos, e agora estou na Escócia. Voltei para o Brasil entre essas viagens, e algo chamou minha atenção: Sou tratada de forma diferente fora do meu país.

Quando saí do Brasil pela primeira vez, minha mãe me disse que iria me dar um conselho muito importante, quase uma ordem, que ela aprendeu quando voltou da Europa no início dos anos 90: ela me disse para dizer que eu era portuguesa. Eu recusei. Eu não sou. Ela disse que era para minha própria proteção, como uma pequena forma de prevenção, para tentar evitar qualquer forma de assédio sexual. Eu não entendi naquele momento, mas ultimamente, está ficando mais claro porque ela foi tão rígida, ficou preocupada e zangada quando eu disse que não. Você pode até pensar “Sim, mas isso foi há 20 anos?!”

Em seu estudo A “Imagem” das Mulheres Brasileiras no Exterior: Corpos, Meios de Comunicação e Discursos, publicado em 2014 e realizado na Europa, a Dra. Damiana Ballerini descobriu que as mulheres brasileiras são constantemente representadas como “excessivamente sexualizadas” e que seu gênero e nacionalidade são combinados para criar essa imagem, tiradas da cor de sua pele e da idéia romantizada do “exótico”, resultando que acabamos sendo racializadas e sexualizadas.

Sempre trabalhei em atendimento ao cliente, e sempre trabalhei fora do Brasil, como garçonete, em lojas, recepção, etc. E antes de eu dizer minha nacionalidade, os clientes – especialmente homens – são muito educados, eles tendem a ser agradáveis e perguntam de onde eu sou, por causa do meu sotaque estranho, tanto em alemão como em inglês. Assim que digo que sou brasileira, algo muda, imediatamente. Alguns homens e mulheres me disseram que esperavam que eu fosse mais escura, que tivesse seios maiores, cabelos mais encaracolados e sotaque mais pesado. No meu primeiro dia de trabalho na Escócia, eu estava sendo ensinada a operar a caixa e um cliente veio e tentou adivinhar minha nacionalidade, quando eu disse que sou brasileira a conversa mudou automaticamente, ele não estava mais falando comigo, mas com meu gerente, que é um homem, sobre como as mulheres Latinas deveriam ser “você sabe” e começou a usar todas essas insinuações sexuais. A partir daí, eu ouvia homens perguntando aos meus superiores na minha frente, logo depois que eu disse de onde eu era, se eu tinha um temperamento latino, entre outras coisas.

O que faz as pessoas acreditarem que podem fazer suposições sobre mim com base na minha nacionalidade? Mais importante ainda, o que as torna tão confortáveis para me assediarem depois de eu dizer de onde sou? Talvez seja por tudo o que eles já viram nos meios de comunicação social. Quando se trata de mulheres como eu, Latinas, tudo o que as pessoas já viram são personagens estereotipados, constantemente sexualizadas e inferiores.

O impacto da mídia em nossas opiniões tem sido estudado desde antes da Segunda Guerra Mundial (Fürsich, Media e a representação de Outros, 2010) e os acadêmicos acreditam que esse impacto seja profundos e se traduz em nosso comportamento social.

Além de espelhar a realidade, as representações na mídia, como no cinema, televisão, fotografia e jornalismo impresso, criam realidade e normalizam visões de mundo ou ideologias específicas. (Fürsich, 2010)

O que eu estou sugerindo aqui é, que talvez, se as mulheres Latinas não tivessem sido sempre as empregadas sexy do cinema, talvez se elas não tivessem sido representadas como belas, ingênuas e sempre prontas para o sexo, mas sim como mulheres de negócios, ou apenas vilãs ou simplesmente mulheres em um drama! Em resumo, se tivéssemos sido representadas como as mulheres brancas são representadas, acredito que estes comentários seriam muito menos recorrentes. Porque seríamos vistas como pessoas.

A boa notícia é que as coisas estão melhores de quando eu tinha dezesseis anos, desde que shows como Jane the Virgin (2014 – 2019) e Brooklyn 99 (2013 – presente) saíram, e mostraram todos os tipos de mulheres Latinas, se juntando, brigando, curtindo sexo ou mantendo a castidade, mães, policiais e apenas mulheres.

A personagem de Amy Santiago, no Brooklyn 99, foi a primeira personagem em que eu me vi porque ela é reconhecida como Latina, mas ela não precisa usar vestidos apertados ou ser nenhuma das coisas que as pessoas esperam de mim para me reconhecer como uma Latina.

Quando deixamos de representar um grupo de pessoas de uma só forma e nos interessamos pela sua cultura, pela sua vida real, começamos a vê-las como elas realmente são. Apenas pessoas. E com culturas diferentes, porque Latina é um termo amplo e nós não somos todos iguais, nem por fora e nem por dentro. Uma melhor representação nos aproximaria porque valorizaria nossas diferenças e destacaria nossas semelhanças, nos uniria porque não haveria mais um estereótipo tal que as pessoas poderiam confiar para rotular os outros. Claro que podemos ser criadas, sexy e barulhentas, mas também podemos ser médicas, podemos ser tímidas e podemos ser prudentes. Há milhões de nós e um único tipo de personalidade não pode representar tudo isso.

Esta mudança começou, e eu sinto isto em casa. Eu me vejo em mais personagens, posso me relacionar com as mulheres que vejo, mas ainda estou – muitas vezes – enfurecida pelas discussões sobre o corpo de J-lo e pelas descrições de latinas como “exuberante”. E convido-os a pensar em mais filmes, castings de teatro onde mulheres como eu têm a liberdade de interpretar uma personagem diferente, e não apenas o estereótipo que nos tem sido servido. Não acha que talvez, se esse fosse o caso, a primeira imagem que (possivelmente) veio à sua cabeça quando eu disse que sou Latina, seria diferente, seria talvez mais parecida com a imagem que você tem de si mesmo?

Isadora Bueno Bastos é estudante do segundo ano de Teatro e Literatura da Universidade de Glasgow. Ela deixou o Brasil durante sua adolescência para estudar e agora vive na Escócia para concluir seus estudos acadêmicos. Ela espera trabalhar com representação de textos e performances artísticas para criar oportunidades para artistas que pertencem a grupos minoritários como ela.

3 thoughts on “A representação das Latinas na mídia”

  1. Magnífico seu texto a forma de desmistificar as mulheres latinas. O problema tem sido a necessidade da auto afirmação, podemos ser sexy sem ser vulgar. Infelizmente o explícito tem mais likes do que um lindo texto. Vc é muito mais do que latina…vc é maravilhosa, linda e muiiito talentosa. Sou sua fã de carteirinha. Beijos

  2. Reijana Pastorelli

    The latin stereotype at Hollywood’s production is sexist and elitist promotes a women’s degrading and ofensive image. It ends up disseminating and feeding the prejudice indirecttly. Your text is very well and properly writter, representing the life as it truly is, instead of reinforce gender roles which nobody can’t stand anymore. Your text’ve expressed the real identity of the latin american women’s diversity and complexity. Deserving applauses and compliments. Congratulations!!!

  3. O problema é que exitem mulheres que fazem questão de, em outros países fora do Brasil, além de se mostrarem super sexualizadas, ainda querem afirmar que isso seria uma “qualidade” da mulher brasileira. Um exemplo desse tipo de mulher é a “cantora” Anitta, a auto-proclamada Rainha do Funk. Essa sua afirmação foi feita em alto e bom som numa entrevista nos EUA num programa de TV com Jimy Fallon que, natualmente, fez furor. Muito aplaudido. Assim não dá!

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